24 de março de 2011


COPACABANA

Recupero-me da queda de ontem. Assombrada ainda com o impacto do meu corpo no meio fio. Boca sangrando lágrimas. Afinal, onde dói mais? Permaneço olhando o teto branco de gelo que derrete e molha minha nudez. Meu corpo rígido desfalece e, por uma eternidade de duas horas e quinze minutos, sente apenas o que foi o calor que aquecia este planeta de seis metros quadrados que eu chamava de santuário. Não sei se o que ouço é música. São ruídos que vêm da rua e é provável que seja efeito ainda da overdose dos abraços que chegavam de surpresa. Meu corpo levanta e caminha até a sala, mas sinto que estou deitada e presa neste espaço sendo banhada aos poucos pela água gelada. Observo de longe minha imobilidade. Chame de saudade quem quiser. De queda, tombo, atropelamento, surra, que seja. Muitas de mim não existem desde ontem. Houve uma chacina. Duas sobreviveram: uma deitada no frio molhada pelo teto que derrete e outra ensandecida contando as pedras do calçadão de Copacabana.

22 de março de 2011


TRINTA SEGUNDOS

Vivendo num filme de trinta segundos esperando o apagar das luzes dou início a uma longa conversa comigo mesma percebendo uma aglutinação de poetas na minha mente prisioneira começo o monólogo e fagulhas de equívocos entram pelas frestas da janela quando tudo dorme e a madrugada faz silêncio eu tento uma poesia exorcista contundente-convincente-eloquente recomeço a busca procurando letras como se fossem cápsulas de analgésico de efeito instantâneo para um corpo bipolar e continuo a vigília enquanto o filme passa aguardo tentando não recordar o pretérito-mais-que-perfeito de um amor eterno e efêmero rogando para que depressa amanheça.

Sandra Fuentes

20 de março de 2011


DESENCONTRADOS

Escrevo em tuas costas
Meus versos molhados

De

Palavras inconfessáveis
Tatuando em tuas pernas
As cores da minha boca

Nos teus olhos prossigo
Relendo os textos
E, devoro em segundos
tuas rimas desencontradas

(decoro)

E repito de forma incansável
Inconsciente
O deleite da tua doçura perversa


Escreve em mim

Tu
Agora
Teus desejos desesperados

Frente e verso

Até que eu chore
Olhando de frente
Pra tua poesia

Sandra Fuentes





ÚLTIMO ANDAR
Maquiava os olhos às cinco da manhã e ficava em seu quarto olhando para o espelho. Não havia traços do tempo em seu rosto, mas o coração, com rugas profundas, se fazia de desentendido. Fumava um cigarro que deixava pela metade. Olhava o mar pela janela do apartamento minúsculo e pensava em seus sonhos-pesadelos. Nem sempre é possível distinguir um do outro quando se dorme. As cores se confundem e os personagens mudam de cena durante um sono profundo. Mas a mulher vestida de segredo, tirava suas meias transparentes e caminhava descalça em direção à porta. Gostava quando ia sentindo nos pés o frio daquele piso do corredor pintado de verde. Sentava na escada e acendia mais um sonho, que deixava pela metade.Ela quer descer. Passa pelos degraus como fumaça. Em silêncio caminha até o portão. Desconhece aquele lugar. Sem olhar para trás, faz o caminho de volta. Pega a chave que estava sob o tapete. Surda-muda. Sonho-pesadelo. É lá seu lugar, é onde ela mora: no último andar, na última porta.

A DOR DO POETA II

Não brigue com minha poesia
Deixe-me escrever até que a alma seque
São palavras jogadas contra a parede
Que voltam fortes
Como pedras que atingem meu rosto
Que já não tem a mesma idade.

Dezoito meses a gerar um livro.
Com o peso da saudade em meu ventre.
Em cada manhã quando lhe via partindo
Sabendo que não voltaria

Eu via a tua imagem sumindo
Muda, permanecia num choro contido
De amor, de amor, de amor...

Não quero ser o poeta
Dessas letras afiadas
Que me cortam

mas,

São elas que estancam
Minha alma hemorrágica


Quisera eu não te amar
E nunca mais escrever
Uma linha



ÀS CEGAS

Vivo
Em um processo
Voluntário
De abandono

Pálido

Em gotas

Nas multifaces
De alguém
Que escreve

Vivo e morro
Todo dia

Ampulhetas explodem por onde passo
E ondas de areia enchem meus olhos
E cegamente
Vou tateando
Sem noção
De tempo

Num caminho
Para um poema novo
Estético
Romântico
Patético

Transpirando lâminas
Atingindo o alvo

(sem querer)




SEM SENTIDO

Uma nuvem carregada de saudade paira sobre o meu telhado.
Percebo quando meus olhos começam a chover
E em cada gota vejo teu nome
Procuro abrigo de forma inútil
Então,
Molha meu rosto como fazias
Faça um temporal no meu corpo
Abriga-te
Tu
Em mim
De vez
Sem pressa

Olha, tu sabes que te amo
E assim permaneceria Mesmo que a chuva me afogasse
E eu perdesse os sentidos
Porque te espero
Mesmo que nunca chegues


18 de março de 2011

SILÊNCIO


Hoje faço silêncio em reverência aos teus maus dias.
Apenas escrevo de forma discreta e sem ruídos.
À caneta, para que ninguém ouça o que vai no papel, nem ele mesmo.
Lamento pelo excesso de amor que levas na tua bagagem.




O amor não existe.
É coisa de poeta.
Mas isso é segredo.
Meu e teu.

Serei breve na caneta
Para não fazer barulho algum
Em respeito
Aos teus maus dias

9 de março de 2011


DUETO SOLITÁRIO
Escrevo quando minha alma está triste. Não conheço as letras de festa. Minhas notas musicais são mudas e mesmo assim carrego comigo as partituras. O som do nada, a quietude de uma canção para surdos é o que tenho levado comigo, meu amado, meu amigo.
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Sou um homem que te quis e não pude levá-la.
Sou um homem que pude amá-la até a metade do livro.
Os meus poemas não eram para ti, minha querida.
Foi engano, me desculpe.
Não fui forte o suficiente para lhe contar a mentira.
Eu te amo, mas não te posso.
Há só um ponteiro em meu relógio de ouro e não sei marcar o tempo.
Me perdoe, mulher.
Por não editar todas as cartas que a mim foram enviadas.
Continuarão como estão, esquecidas pelos séculos.
Até que alguém as encontre, reescreva e possa dedicá-las a mim novamente.

(Quando eu for pássaro E realmente quiser voar contigo)


5 de março de 2011


PAREDE NEGRA

Não há graça nas cores. Quero desistir de tudo hoje, agora. Não tenho tempo para poesias, nem prosas longas e sem sentido. Creio que é isso que chamam de dor. Talvez não haja mais chance para a cura. Minha palidez voltou e minha alma canta uma música fúnebre. Vou pintar minhas paredes de preto e esperar...