17 de fevereiro de 2011




CARTA A UM VAMPIRO


Prezado Senhor,

Não tenho mais sangue para lhe oferecer. Talvez esse meu rosto rosado possa ter confundido V.Sª. É o sol implacável deste mês de fevereiro. É verão, há muita luz entrando no meu quarto. Gostaria que mantivesse distância e não se aproximasse dos meus portões. As trevas que alimentam sua existência foram dissipadas pela luminosidade que carrego comigo. Seja prudente e saia apenas à noite, como de costume. Compreendo sua sede. Eu não suportaria viver uma eternidade pálida, atravessando séculos em um aposento onde cabe apenas meu corpo.
Deixarei durante o dia uma taça de vinho para V.Sª. Beba assim que a grande estrela desaparecer. Faça um brinde solitário. A mim. A nós. E aos meus olhos que continuarão negros.


Sem mais,

Sandra Fuentes

ALMA ASSEDIADA


Quisera eu estar livre dos verbos, dos versos e das letras desfiguradas. Mais uma vez presa no labirinto com um monstro de duas faces. Armadilha doce e letal. Volúpia macabra e massante. Vilipêndio dos cadáveres que morreram afogados no mar que saiu dos teus olhos . As rimas deformadas e escondidas numa caixa acorrentada e lançada no fundo do abismo foi encontrada e aberta. Velhos fantasmas zombam das lágrimas que deixo cair. Atravessam as paredes de um coração que não bate mais. Forço a porta de saída. Não abre. Resta-me sentar neste quarto úmido e entregar-me. Deixar que os vermes consumam as páginas que estavam em branco.

15 de fevereiro de 2011


O SORRISO DE MONALISA


Os dias maus voltaram. Estou presa num quadro pintado a óleo em madeira de álamo. A moldura está ressecada, mas há um vidro a prova de balas que cobre minha figura. Meu olhar atravessa a transparência e o museu está escuro. Nada além do silêncio. Minhas vestes cheiram a mofo. Já tomei um banho de ácido e achei que não haveria mais saída. Minha pele foi substituída aos poucos, a preço de sangue e lágrimas. Não me olhe mais. Não pronuncie meu nome. Por onde andei antes de ficar assim tão exposta? Não sei.Quantas vezes mais serei restaurada? Quantas camadas de amor e tinta? Quantos beijos efêmeros? Proteja-me de ti.

Hoje.
Para sempre...